Hoje é comum fazermos essa pergunta – claro, pode ser que façamos de maneira menos formal, como “quem é você?” – contudo a ideia é a mesma: Conhecer meu interlocutor, aquele a quem pergunto. Eu muitas vezes encontro dificuldade em responder essa pergunta, quando ela recai sobre mim mesmo. Existem momentos que aparentemente vários “eus” estão ocupando o mesmo tempo e espaço. Mas a realidade é que existe apenas um eu, embora por vezes ele esteja embaçado por manchas do dia-a-dia.
Da mesma forma, Cristo. “Quem és tu?” direcionado a Jesus cria o terreno perfeito para a estrutural relacional que Cristo propôs aos discípulos no 1º século e ao longo da história, que nos encontra hoje.
A pergunta da Igreja primitiva
Na Igreja do 1º século e em seguida com os pais da Igreja (1º ao 5º século), a questão mais debatida era a de “como”. “Como a encarnação é possível?”, “como a natureza humana e divina coexistem no mesmo ser humano (a saber, Jesus)?”, “como se deu a ressurreição?”. A abordagem era feita de baixo para cima, partindo do homem com seu background, seus fundamentos, sua visão de mundo, sua percepção da realidade criada (muitas vezes influenciado pela forma e tratamento do Império Romano e a filosofia grega), em suma, partindo do intelecto humano para alcançar o conhecimento do Cristo. Como o teólogo e pastor alemão Dietrich Bonhoeffer afirma: “eu submeto Cristo à minha inteligência.” [1].
Teologia Liberal
Já no século 19, os teólogos liberais que questionavam o aspecto sobrenatural do evangelho, a ressurreição de Cristo, os milagres, além da anulação do Adão histórico trazem outra pergunta.“O quê?” agora passa a ser o início da busca por conhecer o Cristo. Contudo, há ai também uma falha. “O que é encarnação?”, “o que é a dupla natureza de Cristo?”; há uma falha no método, o problema na aproximação ao Logos de Deus.
Bonhoeffer e a única dúvida razoável
Diante das perguntas “como” e “o quê”, o cristão se põe na posição de inquiridor, no sentido duvidoso da obra de Cristo, submetendo o Cristo à minha inteligência (que foi criada pelo próprio Logos de Deus, no mínimo uma perda de tempo tentar esse método). Bonhoeffer propõe que essa pergunta, “quem”, é a única que poderá nos revelar a pessoalidade de Cristo. Jesus é real, tem um corpo ressurreto (transformado), Ele não é uma ideia abstrata, uma força, uma energia ou um fantasma como muitos afirmam. Do contrário, Ele está aqui, agora, é o Cristo atual, que nos encontra hoje. E a pergunta, “quem és tu?”, revela de fato a pessoa de Cristo.
Saímos da sala de interrogatório, onde Cristo é posto sentado no banco dos que dão provas e respostas, e vamos para o ambiente de relacionamento que a resposta ao “quem” é revelada e experimentada. A menos que a verdade sobre Cristo seja levada ao mais íntimo do homem, ainda permanecerão dúvidas reais quanto sua vida e obra. É a centralidade de sua pessoa e do evangelho que nos levam a experimentá-lo, como quando o fazemos no partir do pão, na esperança de seu retorno. Comemos e bebemos.
Cristo Atual e Histórico
Quando minha pergunta é sobre o Cristo atual, que vem ao meu encontro hoje, na atualidade, no período em que vivo na terra, eu O encontrarei como Ele é. Do contrário, se minha pergunta é sobre o Cristo histórico em primeiro lugar, o que eu procuro na verdade é uma sombra e não mais uma pessoa.
A questão aqui não é a anulação da pergunta do Cristo histórico, mas que a pergunta do Cristo atual é primária e dita como as perguntas seguirão. O conhecimento do Cristo atual é o ponto de partida e a base inabalável.
Mas por quê? Por que conhecer o Cristo atual é de caráter primário?
A resposta é simples, é porque Ele está vivo e é uma pessoa que está neste momento no mundo. Nas palavras de Bonhoeffer: “Jesus confronta os seres humanos de todas as épocas a partir de uma base absolutamente pessoal.” [2].
Diante dessa declaração, há um revés no homem, que agora tem de lidar como o homem perfeito, Jesus Cristo, o qual não só pode, mas irá confrontá-lo até o fim desta era.
[1] Quem é e quem foi Jesus / Dietrich Bonhoeffer; tradução de Daniel Sotelo e João Guilherme – Goiânia: Editora Cruz, 2017. 108p.
[2] Op. cit.
Comments